sexta-feira, 30 de julho de 2010

"POESIA A SERVIÇO DA VERDADE" / Ernesto Fraeri

     "A poesia é atividade imediata da natureza criativa do homem, que plasma incessantemente o próprio mundo. Ela deve abster-se dos acontecimentos subjetivos e das lágrimas do sentimentalismo pessoal para alcançar a esfera da objetividade, o que significa que ela se põe a serviço da verdade."  


(Epígrafe da antologia A POESIA GOIANA NO SÉCULO XX,
organizada por Assis Brasil / Imago Editora, Rio, 1997)

domingo, 25 de julho de 2010

ESCAVAÇÕES, de Neide Archanjo

Andar sobre as águas
atravessar paredes abismos
é próprio do poeta
como é próprio do trigo
ser flor
e pão.  



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Noite adentro 
olhos ancorados em Deus
dormem os animais
as crianças as plantas
e algum poeta.  


Ninguém mais.  




(do livro ESCAVAÇÕES, São Paulo, 1980).  

segunda-feira, 19 de julho de 2010

"POESIA TIRA O SONO, É UM NEGÓCIO QUE NÃO AJUDA A DORMIR" (Caetano Veloso)

     "Houve um tempo em que eu lia muito poesia por gosto.  Mas acontece o seguinte, eu leio na hora de dormir, quando eu me deito. Só leio nessa hora.  Leio jornal durante o dia mas livro eu tenho vergonha de ler durante o dia, ir no escritório botar um livro e ler assim sentado.  Eu não sinto isso como natural.  Eu me deito e leio, o que quer que eu leia é nessa hora... Eu fico muito tempo lendo, porque eu demoro muito pra dormir,  e a poesia não dá sono.  Poesia tira o sono, poesia é um negócio que não ajuda a dormir.  A prosa não, toda prosa mesmo, qualquer coisa, "Guerra e Paz", qualquer livro, você lê, se interessa, mas a narração combina com você ir se acalmando... você vai continuar no dia seguinte, a história tem um fio. 

     Poesia não.  Poesia às vezes é um negocinho, um livro pequenininho, com umas poucas palavras em cada página, é uma coisa tão densa que lhe põe numa situação difícil... É curioso, você pode, fisicamente, ler um livro de poesia, às vezes muito denso, em 15 minutos, em 10 minutos, né ? 

    Se uma pessoa diz assim, vou ler "Mensagem", do Fernando Pessoa, todo, como quem lê um romance... Os poemas são pequenos, não são muitos, e o livro é pequeno.  Você lê aquilo rápido.  Mas é difícil que você realmente tenha lido aquele livro, porque são tantos romances que se passam às vezes entre duas palavras só."   



(Caderno MAIS!, Folha de São Paulo,
9 de agosto de 1992).   

sábado, 17 de julho de 2010

ITINERÁRIO DE PASÁRGADA, de Manuel Bandeira (1)

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     O que há de especial nessas reminiscências (e em outras dos anos seguintes, reminiscências do Rio e de São Paulo, até 1892, quando voltei a Pernambuco, onde fiquei até os dez anos) é que, não obstante serem tão vagas, encerram para mim um conteúdo inesgotável de emoção.  A certa altura da vida vim a identificar essa emoção particular com outra - a de natureza artística.  Desde esse momento, posso dizer que havia descoberto o segredo da poesia, o segredo do meu itinerário em poesia.  Verifiquei ainda que o conteúdo emocional daquelas reminiscências da primeira meninice era o mesmo de certos raros momentos em minha vida de adulto :  num e nouto caso  alguma coisa que resiste à analise da inteligência e da memória consciente, e que me enche de sobressalto ou me força a uma atitude de apaixonada escuta. 

     O meu primeiro contato com a poesia sob a forma de versos terá sido provavelmente em contos de fadas, em histórias da carochinha. No Recife, depois dos seis anos. 

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     Aos versos dos contos da carochinha devo juntar os das cantigas de roda, algumas das quais sempre me encantavam, como "Roseira, dá-me uma rosa",  "O anel que tu me deste", "Bão, balalão, senhor capitão", "Mas para quê tanto sofrimento".  Falo destas porque as utilizei em poemas.  E também as trovas populares, coplas de zarzuelas, "complets" de operetas francesas, enfim versos de toda a sorte que me ensinava meu pai. 

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     Assim, na companhia paterna, ia me embebendo dessa idéia de que a poesia está em tudo - tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas. 



(do livro ITINERÁRIO DE PASÁRGADA, Manuel Bandeira
- Rio de Janeiro, 1954)

sábado, 12 de junho de 2010

A PALAVRA MAIS HUMANA (17) / Mário Quintana

"DIÁRIO POÉTICO"


Trova


Brotando por entre as fráguas
E abismado, frágil, incerto,
O verso é sempre um milagre :
Pura rosa do deserto !



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Todas as antigas civilizações, por mais afastadas uma das outras, no tempo e no espaço - sempre começaram descobrindo três coisas : a poesia, a bebida e a religião.


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Se alguém te perguntar o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo...



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Trova


Fez Deus o mundo em seis dias
E descansou desde então...
Mas os poetas continuaram
A obra da criação.  



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Mas para que interpretar um poema ?  Um poema já é uma interpretação.




(Porto Alegre, RS, 1987)   

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A PALAVRA MAIS HUMANA (16) / Geraldino Brasil

A    P O E S I A



A Poesia não exige que sejas grande.
Não te quer maior ou menor do que és. 
Não lhe serve que fales como falaram.
Repetir é parar onde chegaram.  


Não te afastes dela. 
A Poesia quer apenas
o teu jeito de ver e de dizer.  



(Recife, Pernambuco)

A PALAVRA MAIS HUMANA (15) / Maria de Lourdes Hortas

M A L A



Espécie de mala
a alma
do poeta
porão onde se guarda
tudo o que serve
para a poesia :
cartas por enviar
labirintos de intenções
partituras inacabas
vertigens inominadas
catedrais de silêncio
mapas indecifrados 
medos, lápides
eclipses, horizontes
icebergues, vulcões
sonatas de chuva
retratos em sépia
arquivo de auroras
e crepúsculos 
maravilhas de instantes
tempo avulso
que se escoa e nos leva
na voragem da ciranda.  


O que guardo na alma
abro na poesia :
nela interrogo a vida
dia após dia.   


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(do livro RUMOR DE VENTO,
Maria de Lourdes Hortas,
Panamérica Nordestal Editora,
Recife, 2009)