sábado, 17 de julho de 2010

ITINERÁRIO DE PASÁRGADA, de Manuel Bandeira (1)

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     O que há de especial nessas reminiscências (e em outras dos anos seguintes, reminiscências do Rio e de São Paulo, até 1892, quando voltei a Pernambuco, onde fiquei até os dez anos) é que, não obstante serem tão vagas, encerram para mim um conteúdo inesgotável de emoção.  A certa altura da vida vim a identificar essa emoção particular com outra - a de natureza artística.  Desde esse momento, posso dizer que havia descoberto o segredo da poesia, o segredo do meu itinerário em poesia.  Verifiquei ainda que o conteúdo emocional daquelas reminiscências da primeira meninice era o mesmo de certos raros momentos em minha vida de adulto :  num e nouto caso  alguma coisa que resiste à analise da inteligência e da memória consciente, e que me enche de sobressalto ou me força a uma atitude de apaixonada escuta. 

     O meu primeiro contato com a poesia sob a forma de versos terá sido provavelmente em contos de fadas, em histórias da carochinha. No Recife, depois dos seis anos. 

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     Aos versos dos contos da carochinha devo juntar os das cantigas de roda, algumas das quais sempre me encantavam, como "Roseira, dá-me uma rosa",  "O anel que tu me deste", "Bão, balalão, senhor capitão", "Mas para quê tanto sofrimento".  Falo destas porque as utilizei em poemas.  E também as trovas populares, coplas de zarzuelas, "complets" de operetas francesas, enfim versos de toda a sorte que me ensinava meu pai. 

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     Assim, na companhia paterna, ia me embebendo dessa idéia de que a poesia está em tudo - tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas. 



(do livro ITINERÁRIO DE PASÁRGADA, Manuel Bandeira
- Rio de Janeiro, 1954)

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