domingo, 22 de agosto de 2021

PABLO NERUDA : "VIM AQUI PARA CANTAR E PARA QUE CANTES COMIGO"

 




PABLO NERUDA  (Chile, 1904 - 1973) 

- Prêmio Nobel de Literatura  de 1971



QUE ACORDE O LENHADOR 


 ..............................................

Aqui eu me despeço, volto 

para a casa, em meus sonhos, 

volto para a Patagônia onde 

o vento bate nos estábulos

e respinga e gela o Oceano.  

Não sou mais que um poeta: amo todos vós, 

ando errante pelo mundo que amo : 

em minha pátria encarceram mineiros 

e os soldados mandam nos juízes. 

Porém eu amo até as raízes 

de meu pequeno país frio. 

Se tivesse que morrer mil vezes 

lá quero morrer; 

se tivesse de nascer mil vezes 

lá quero nascer, 

perto da araucária selvagem, 

do vendaval do vento sul, 

dos sinos recém-comprados. 

Que ninguém pense em mim. 

Pensemos na terra toda, 

batendo com amor na mesa. 

Não quero que volte o sangue  

a empapar o pão, os feijões, 

a música; quero que venha  

comigo o mineiro, a menina, 

o advogado, o marinheiro, 

o fabricante de bonecas, 

que entremos no cinema e saiamos 

para beber o vinho mais rubro.  


Não venho para resolver nada. 


Vim aqui para cantar 

e para que cantes comigo. 


(Fragmento final do poema "Que Acorde o Lenhador", do livro CANTO GERAL, de Pablo Neruda, em tradução de Paulo Mendes Campos - DIFEL Difusão Editorial S.A., São Paulo - SP, 4a. edição, 1981) 


_____________________________________________________________ 

PABLO NERUDA (pseudônimo de Nefatli Ricardo Reys Basoalto) nasceu no dia 12 de julho de 1904 em Parral, Chile. Marxista e revolucionário, cantou as angústias da Espanha de 1936 e a condição dos povos latino-americanos e seus movimentos libertários. Diplomata desde cedo, foi cônsul na Espanha e no México. Desenvolve intensa vida política e publica, de 1921 a 1940, entre outras, as seguintes obras : "La canción de la fiesta", "Crepusculario", Veinte poemas de amor y una canción desesperada",  "Tentativa  del hombre infinito", "Residencia en la tierra" e "Oda a Stalingrado". Participa da campanha da Unidade Popular que elege Allende e é nomeado embaixador do Chile na França. Data de 1950 o seu grande livro "Canto General" (Canto Geral). Pablo Neruda morreu no dia 23 de setembro de 1973 em Santiago do Chile, oito dias após a queda do Governo da Unidade Popular e da morte do presidente  Salvador Allende. 

(Nota da DIFEL Difusão Editorial S.A) 



domingo, 14 de fevereiro de 2021

HERMILO BORBA FILHO : "O POETA VÊ TUDO MAIS ALÉM"

 


Hermilo Borba Filho, 

em sua residência, no Recife (PE). 

Década de 1970 



"O poeta é um ser que vive permanentemente em estado de sofrimento por si mesmo e pelo mundo que o rodeia. Quando o mundo atinge a sua zona mais alta de tortura, tanto no estado da lucidez como no das intuições (quase sempre mais válidas), o poeta se contorce como uma salamandra no fogo e canta tragicamente. Por ser mais agudo e perspicaz que as pessoas que o cercam vê tudo mais além, exacerbadamente, desejando o que não pode e fazendo o que segundo os bons costumes não deveria fazer. 

(...) 

Mas tenho cá comigo que devemos crer mesmo contra a esperança e é o que aconselharia ao poeta se me atrevesse a dar conselhos : olhar em volta mais acuradamente, com este olhar de gavião que os poetas têm mesmo quando se fingem de mortos, e ver que há coisas mais importantes para se cuidar além da própria dor, a começar pelo homem, indigente e desamparado." 

("Jornal da Cidade", Recife, PE, 1975) 


______________________________________________________________________ 

HERMILO BORBA FILHO (Palmares, PE, 1917). Dramaturgo, diretor teatral, romancista, novelista, contista,professor universitário (UFPE).  Romancista traduzido na Argentina e na França. Faleceu no Recife no ano de 1976. Em sua homenagem, a sua cidade natal criou a Fundação Casa da Cultura Hermilo Borba Filho (1983) e o Recife criou o Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo-Hermilo (1988).  

domingo, 8 de novembro de 2020

BRUNA LOMBARDI : "Acredito que todo leitor de poesia tem poesia dentro de si"

 





BRUNA LOMBARDI  

(Entrevista da ISTOÉ, agosto / 2020) 



"Acredito que todo leitor de poesia tem poesia dentro de si, para poder escutar 

essa música dentro de si, para poder escutar essa música inaudível.  Essa 

emoção transformada em palavras. E o processo de escrever nasce da observação.

É preciso estar atento à vida.  Não só para a vida circunstancial, mas para a vida 

essencial - o que você tem dentro de você.  Quanto mais você se conhece, 

maior a abrangência dos canais com o mundo.  E essa conexão 

do que acontece ao seu redor, a extensão daquilo que te cerca.   

Não importa o tamanho, importa o voo."  



(Trecho da entrevista concedida a Mariana Ferrari,  

 da Revista ISTOÉ / São Paulo - SP, agosto 2020) 


______________________________________________________ 

BRUNA LOMBARDI (São Paulo - SP, 1952) 

é poetisa, atriz, produtora, apresentadora e roteirista 

de cinema.  Publicou os livros de poesia No Ritmo dessa Festa

(1976). Gaia (1980), O Perigo do Dragão (1984). 

Poesia Reunida (2017) e Clímax (2017). 



domingo, 30 de agosto de 2020

FERREIRA GULLAR : POESIA "SUBVERSIVA" NA VERTIGEM DO DIA

 



 


SUBVERSIVA, poema de Ferreira Gullar (pag.2) 

e capa da Revista POESIA -  Número 4, Agosto / Setembro, 1980

(Nordestal Editora, Recife - PE) 


SUBVERSIVA 


                                                                  Ferreira Gullar  



A poesia 

quando chega

                                                         não respeita nada. 

Nem pai nem mãe. 

                                                       Quando ela chega 

de qualquer de seus abismos  

desconhece o Estado e a Sociedade Civil 

desrespeita o Código de Águas  

                                                                                                       relincha 

como puta 

          nova 

                                                              em frente ao Palácio da Alvorada.   


E só depois 

reconsidera :   beija 

                                                                   nos olhos  os que ganham mal 

                                          embala no colo

                                                                    os que têm sede de felicidade  

                                      e de justiça  


                                    E promete incendiar o país   




sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

GERALDINO BRASIL : "O POETA É ANTERIOR AO SEU VERSO"






Geraldino Brasil 
e Beatriz Brenner  
(Recife, PE)




"Creio com crença que não se aprende a ser poeta. 
Não conheço poeta que antes não o tenha sido. 
Porque é coisa do espírito, 
este é a sua fonte. 
Aprende-se a fazer versos, 
não a ser poeta. 
Porque o poeta, 
com o seu espírito, 
é anterior ao seu verso."    



(Divulgação de Beatriz Brenner / 
Via Facebook) 


________________________________________________________ 
GERALDINO BRASIL nasceu em Atalaia (AL). Mudou-se 
para o Recife na década de 1950. Publicou, entre outros, 
em edições do autor, os seguintes livros de poesia : 
"Alvorada", "Coração", "Poemas Insólitos e Desesperados", 
"Cidade do Não", "Sonetos ao Sol e Outros Poemas", 
"Todos os Dias, Todas as Horas", "Bem Súbito" e, 
com tradução de Jaime Jaramillo Escobar, "Poemas" 
(Colômbia).  
A Cepe Editora (www.cepe.com.br) tem editado e reeditado, 
nos últimos anos, a poesia de Geraldino Brasil.   

domingo, 10 de novembro de 2019

WALT WHITMAN : "CANÇÃO DE MIM MESMO"





WALT WHITMAN 
(fotografado no período de edição 
do livro "Folhas de Relva") 



CANÇÃO DE MIM MESMO 


Eu celebro o eu, num canto de mim mesmo. 
E aquilo que eu presumir, também presumirás, 
Pois cada átomo que há em mim igualmente habita em ti.   

Descanso e convido a minha alma, 
Deito-me e descanso tranquilamente, observando uma haste da relva de verão. 

Minha língua, todo átomo do meu sangue formado deste solo, deste ar, 
Nascido aqui de pais nascido aqui de pais o mesmo e seus pais também o mesmo, 
Eu agora com trinta e sete anos de idade, com saúde perfeita, dou início, 
Com a esperança de não cessar até morrer.   


.......................................................................................  


Sou o poeta do Corpo e sou o poeta da Alma, 
Os prazeres do céu estão comigo e as dores do inferno estão comigo, 
O primeiro eu transplanto e amplio sobre mim e o segundo traduzo em uma nova língua. 

Eu sou o poeta da mulher tanto quanto o do homem, 
E digo que é tão grandioso ser uma mulher como ser um homem, 
E digo que não há nada maior do que ser a mãe dos homens.    

Canto o canto da expansão ou do orgulho, 
Já tivemos fuga e censura o suficiente, 
Revelo que o tamanho é apenas o desenvolvimento.  

Ultrapassaste os demais ? És o Presidente ? 
Isso é ninharia, eles irão além desse teu feito.   

Eu sou aquele que caminha com a noite que cresce brandamente, 
Clamo à terra e ao mar, em parte abraçados pela noite.   

Estampa-te em mim, noite de seio nu -  estampa-te em mim, noite magnética e nutritiva ! 
Noite do vento sul - noite de estrelas grandes e escassas ! 
Noite imóvel e ondulante - noite de verão louca e desnuda.    



____________________________________________________________ 
WALT WHITMAN nasceu, no dia 31 de maio de 1819, em West Hills, 
Long Island, Estado de Nova Iorque (EUA). Publica a primeira edição 
de "Folhas de Relva" em 1855 e, até o ano de sua morte, em 1892, 
o livro alcançou 9 edições.  Considerado, pela crítica mundial,  
o maior poeta da literatura norte-americana, sua obra-prima 
"Folhas de Relva", um dos pilares das letras modernas, 
teve a sua edição completa, traduzida por Luciano Alves Meira, 
publicada no Brasil, pela primeira vez, em 2006 
(Editora Martin Claret, São Paulo, SP). 


domingo, 2 de junho de 2019

OCTAVIO PAZ : "TRABALHOS DO POETA" (Fragmento)







OCTAVIO PAZ  (à esquerda da foto)
e o poeta Haroldo de Campos,
 seu tradutor, em São Paulo,  SP, 1985.



TRABALHOS DO POETA 
(Fragmento) 


Uma linguagem que corte o fôlego. Rasante, talhante, cortante. Um 
exército de espadas. Uma linguagem de aços exatos, de relâmpagos 
afiados, de esdrúxulas e agudas, incansáveis, reluzentes, metódicas 
navalhas. Uma linguagem guilhotina. Uma dentadura trituradora,
que faça uma pasta dos eutuelenósvóseles. Um vento de punhais
que desgarre e desarraigue e descoalhe e desonre as famílias, os templos, 
as bibliotecas, os cárceres, os bordéis, os colégios, os manicômios, as 
fábricas, as academias, os pretórios, os bancos, as amizades, 
as tabernas, a esperança, a revolução, a caridade, a justiça, as crenças, 
os erros, as verdades, a verdade.   



(Em ÁGUIA E SOL, de 1949 - 1950 / 
Transcrito do livro TRANSBLANCO, 
de Octavio Paz, em tradução de 
  Haroldo de Campos 
- Editora Guanabara, Rio de Janeiro, RJ, 1986) 

______________________________________________________ 
OCTAVIO PAZ - Nasceu na Cidade do México (1914), capital 
do México, onde faleceu (1998). 
Poeta, ensaísta, tradutor e diplomata do seu País desde o ano 
de 1945. Viveu nos Estados Unidos, Espanha, França, 
Japão e Índia.  Publicou mais de 20 livros de poesia, 
 e incontáveis ensaios de literatura, arte, cultura e política.  
Entre outros, conquistou três grandes prêmios mundiais : 
Prêmio Jerusalém (1977), Prêmio Cervantes (1981) e 
Prêmio Nobel de Literatura (1990).