sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ASSIS BRASIL : "Poesia, Verdade e Ética nos fazem dialogar com o Bem"



     "É a poesia que denuncia a mediocridade de todos nós.

     É ela, a poesia, num país desenvolvido (?) economicamente ou num miserável, que nos tira da futilidade. "A Beleza é um modo de permanência da verdade, enquanto eclosão", disse Heidegger, quer o poeta se inquiete diante da injustiça social ou se perturbe com a sua condição cósmica.  A poesia tanto espiritualiza quem a faz, como quem a lê.  Por outro lado, sem ser didática ou "produto"econômico", dá ao ser a sua dimensão existencial, a sua dignidade social, quer o poeta esteja falando da fome da África ou não. 

     A constatação é simples : ao mundo mergulhado no horror, no vício, no fanatismo, na opressão, a poesia mostra um caminho claro do sensível, e é Heidegger quem aponta e convida para essa jornada do Ser, porque afinal, Poesia, Verdade e Ética nos fazem dialogar com o Bem."  (ASSIS BRASIL)


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Do texto "Para que Poetas", de Assis Brasil,
publicado na antologia A POESIA CEARENSE
DO SÉCULO XX
- Imago Editora / Fundação Cultural de Fortaleza,
Rio / Ceará, 1996.

sábado, 17 de dezembro de 2011

MAIAKOVSKI : "POÉTICA - COMO FAZER VERSOS"





     "Uma vez mais repito categoricamente : não forneço qualquer regra capaz de transformar um homem em poeta e de o levar a escrever versos. Essas regras não existem.  Poeta é justamente o que cria as regras poéticas."


     "Quase todos os chefes de redação me confessaram que não ousam devolver os manuscritos dos poemas por não saberem o que dizer."  


     "O ritmo é a forma essencial, a energia essencial, do verso.  Não se pode explicar, dela apenas podemos afirmar o que se diz do magnetismo e da eletricidade : são formas de energia. O ritmo pode ser idêntico em vários poemas e mesmo em toda a obra de um poeta."


     "A poesia é uma indústria.  Das mais simples e das mais complicadas, mas, apesar disso, uma indústria."   


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Transcrito do livro POÉTICA - COMO FAZER VERSOS,
de Vladimir Maiakovski
- Editora Global, São Paulo, SP, 1979

domingo, 27 de novembro de 2011

BIOGRAFIA, de Antonio Carlos Secchin




O poema vai nascendo 
num passo que desafia :
numa hora eu já o levo,
outra vez ele me guia.

O poema vai nascendo,
mas seu corpo é prematuro,
letra lenta que incendeia 
com a carícia de um murro.

O poema vai nascendo 
sem mão ou mãe que o sustente,
e perverso me contradiz 
insuportavelmente.

Jorro que engole e segura 
o pedaço duro do grito,
o poema vai nascendo, 
pombo de pluma e granito.  



(do livro DIGA-SE DE PASSAGEM,
Rio de Janeiro, RJ, 1988)



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Transcrito da antologia  A POESIA FLUMINENSE 
NO SÉCULO XX, organização de Assis Brasil
- Imago Editora, Rio, RJ /
Fundação Biblioteca Nacional, Rio, RJ/
Universidade de Mogi das Cruzes, SP.

domingo, 13 de novembro de 2011

PABLO NERUDA : Deus e o Diabo mantêm uma luta dentro da poesia, mas a poesia não pode ficar derrotada






     "Os inimigos obstinados do poeta esgrimarão com muitos argumentos que já não contam. A mim me chamaram de morto de fome na minha juventude. Agora me hostilizam, fazendo crer às pessoas que sou um potentado, dono de uma fabulosa fortuna que, embora não tenha, gostaria de ter, entre outras coisas, para aborrecê-los mais.   

     Outros medem as linhas de meus versos provando que os divido em pequenos fragmentos ou os alongo demais. Não tem importância alguma. Quem institui os versos mais curtos ou mais longos, mais delicados ou mais largos, mais amarelos ou mais vermelhos ? O poeta que os escreve é quem o determina. Determina-o com a respiração e com o sangue, com sua sabedoria e com sua ignorância porque tudo isto entra no pão da poesia.

     O poeta que não seja realista está morto.  Mas o poeta que seja somente realista está morto também.  O poeta que seja somente irracional será entendido só  por si mesmo e por sua amada - e isto é bastante triste.  O poeta que seja só racionalista será entendido  até pelos asnos - e isto é também sumamente triste. Para tais equações não existem cifras no quadro-negro, não há ingredientes decretados por Deus nem pelo Diabo, mas sim que estes dois personagens importantíssimos mantêm uma luta dentro da poesia e nesta batalha vence ora um e ora outro,  mas a poesia não pode ficar derrotada."


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Transcrito do livro de memórias CONFESSO QUE VIVI, 
de Pablo Neruda /  Tradução de Olga Savary
- DIFEL Difusão Editorial S.A.,
São Paulo, SP / Rio de Janeiro, RJ, 1979

    

domingo, 30 de outubro de 2011

PABLO NERUDA : "Fiz respeitar, pelo menos em minha pátria, o ofício do poeta, a profissão da poesia"




     "Como poeta ativo compati o meu próprio ensimesmamento.  Por isso o debate entre o real e o subjetivo foi determinado dentro do meu próprio ser. Minhas experiências podem ajudar, sem pretensões de aconselhar ninguém. Vejamos à primeira vista os resultados.

     É natural que minha poesia esteja submetida ao juízo, tanto da crítica elevada como exposta à paixão do libelo. Isto faz parte das regras do jogo. Sobre esse ponto de discussão não tenho o que dizer mas tenho argumento. Para a crítica especializada, meu argumento são meus livros, minha poesia inteira. Para o libelo incompatível  tenho também o direito de argumentar com a minha própria e constante criação.
    
     Se o que digo parece vaidoso vocês teriam razão. Em meu caso, trata-se da vaidade do artesão que exercitou um ofício por longos anos com amor indelével.

     Mas de uma coisa estou satisfeito : de uma forma ou de outra fiz respeitar, pelo menos em minha pátria, o ofício do poeta, a profissão da poesia."      




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Transcrito do livro de memórias CONFESSO QUE VIVI,
de Pablo Neruda  / Tradução de Olga Savary
 - DIFEL Difusão Editorial S.A.,
   São Paulo / Rio de Janeiro, 1979

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A POESIA É VERDADE




não é verdade a poesia
porque é bela.
a poesia é bela
porque é verdade.


Juareiz Correya




(do ebook CORAÇÃO PORTÁTIL,
de Juareiz Correya 
- Emooby/Pubooteca, Portugal, 2011)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

ANÚNCIO URGENTE, de Ieda Estergilda de Abreu




Procura-se um poeta 
com estrela na  testa 
e voz de profeta.

Apareça, poeta 
enxergarei a estrela 
entenderei a parábola.  

Precisa-se de um poeta 
do tamanho do seu tempo
pode vir de marte, do mato 
ou no vento.  

Precisa-se de um poeta 
dispensa-se currículo
o nome do barco é poesia.    



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Transcrito da antologia  
A POESIA CEARENSE NO SÉCULO XX, 
organizada por Assis Brasil  
- Fundação Cultural de Fortaleza / 
Imago Editora, Rio de Janeiro, RJ, 1996 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

AS PALAVRAS, de Octavio Paz




Girar em torno delas,
virá-las pela cauda (guinchem, putas),
chicoteá-las,
dar-lhes açúcar na boca, às renitentes,
inflá-las, globos, furá-las,
chupar-lhes o sangue e medula,
secá-las,
capá-las,
cobri-las, galo galante,
torcer-lhes o gasnete, cozinheiro,
 depená-las,
destripá-las, touro,
boi, arrastá-las,
fazer, poeta,
fazer com que engulam todas as suas palavras.  

(Pequena antologia de "Libertad bajo palabra") 


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Transcrito do livro TRANSBLANCO, 
de Octavio Paz 
 - Tradução de Haroldo de Campos  
- Editora Guanabara, Rio de Janeiro, RJ, 1986 

sábado, 17 de setembro de 2011

"A IMPORTÂNCIA DA POESIA DA VIDA" (Luiz de Miranda)




"Várias vezes tenho me batido pela importância da poesia da vida, aquela comum a nós todos. Distante, portanto, dos caminhos da poética, do intrínseco do poema. Parece-me que ela é a chama que falta ao coração do homem moderno. A luz para nos salvar do tédio, da melancolia, da injustiça, da ferocidade que assaltam a coragem de quem resolve assegurar o direito de participar efetivamente da história do seu povo, e não ser um mero objeto nas mãos dos poderosos.  Essa poesia da vida é um caminho para sobreviver, com dignidade, ao tempo infeliz que temos atravessado. Esse sentimento de amanhecer sob o signo da poesia, que analogamente nos traz o poeta, o criador de mundos, é, sem dúvida, uma lição de puro amor à vida."  (LUIZ DE MIRANDA)



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Da apresentação do livro RONDA ALTA (poesia)  
de Sérgio Borja
- Editora Movimento, Porto Alegre, RS, 1981

sábado, 10 de setembro de 2011

MÍNIMA POÉTICA (trechos), de Paulo Henriques Britto



Dizer não tudo, que isso não se faz,
nem nada, o que seria impossível;
dizer apenas o que é demais 
pra se calar e menos que indizível.
Dizer apenas o que não dizer 
seria uma espécie de mentira;
falar, não por falar, mas pra viver,
falar (ou escrever) como quem respira.
Dizer apenas o que não repita
a textura do mundo esvaziado;
escrever sim, mas escrever com tinta;
pintar, mas não como aquele que pinta 
de branco o muro que já foi caiado:
escrever, sim, mas como quem grafita.



(Transcrito da antologia
 A POESIA FLUMINENSE NO SÉCULO XX,
organizada por Assis Brasil 
- Fundação Biblioteca Nacional / Imago Editora /
Universidade de Mogi das Cruzes,SP /
Rio de Janeiro, RJ, 1998)

domingo, 21 de agosto de 2011

CARLOS NEJAR : "O Poeta e a Sociedade"




"O poeta liga-se à sociedade pelo fato de estar nela, circunstancialmente. E por ser da estranha e cativante fauna humana. Desliga-se, entretanto, na medida em que seu tempo é mais vasto : o da cultura e da história.

Se o poeta estivesse integrado, não buscaria criar outra realidade. O artista sabe por instinto que a luta é surda. Podem ser utilizados os meios, a forma. Pode a própria sociedade aparentemente acomodar-se a ele, oficializando-o. Não por bondade. Mas para melhor absorvê-lo.

A sociedade, como certos animais, possui o faro premonitório de quem é a capaz de a subverter. Ou provocar-lhe a crise."  (CARLOS NEJAR)



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Transcrito do livro A CHAMA É UM FOGO ÚMIDO,
de Carlos Nejar - Coleção Afrânio Coutinho /
Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, RJ, 1994

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

LIÇÃO DA POESIA, de Juareiz Correya





Aprendi com os poetas que a Poesia 
não é a Língua
dos gramáticos 
dos doutores 
dos juízes
dos políticos 
dos comandantes 
dos governantes
dos presidentes
das Gramáticas Redações Tratados Leis e Constituições.    


Aprendi com os poetas que a Poesia 
é a Linguagem dos párias e excluídos 
das putas dos malditos e dos condenados 
dos injustiçados e dos sacrificados 
dos suicidas e dos inventores 
dos santos e dos dementes 
do Amor e da Alegria
do Sangue e do Coração 
do Espírito e da Luz.    



(Olinda, junho / 2005)


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Do livro inédito POEMAS DO NOVO SÉCULO

quarta-feira, 27 de julho de 2011

CRIADOR E CRIATURA, de Juareiz Correya




para Roberta Malta.


o poema tem corpo e alma
cidadania e identidade 
(embora seja de outro mundo)
uma voz de pronúncia certa 
palavras exatas sem medida 
a verdade no coração 
ardendo o seu sangue 
e o olhar de um instante 
eternizando os séculos 
sabe o que diz por sentir 
que o amor não é uma ciência 
e a vida é só passagem 
da humanidade para a luz.   



(do livro inédito
 POEMAS DO NOVO SÉCULO)

domingo, 17 de julho de 2011

HERMILO BORBA FILHO : "O poeta vive em estado de sofrimento por si mesmo e pelo mundo que o rodeia"

     "O poeta é um ser que vive permanentemente em estado de sofrimento por si mesmo e pelo mundo que o rodeia. Quando o mundo atinge a sua zona mais alta de tortura, tanto no estado da lucidez como no das intuições (quase sempre mais válidas), o poeta se contorce como uma salamandra no fogo e canta tragicamente.  Por ser mais agudo e perspicaz que as pessoas que o cercam vê tudo mais além, exacerbadamente, desejando o que pode e fazendo o que segundo os bons costumes não deveria fazer."
(HERMILO BORBA FILHO)


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JORNAL DA CIDADE, Recife, PE, 1975.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O POEMA, de Moacyr Félix

Ou se vive por inteiro
ou pela metade a gente 
escreve a vida 
                      que não viveu.   

E o papel em branco então serve
como serve ao prisioneiro
a parede branca do cárcere.   

O que não foi é o ser que é 
no poema, esse ato mágico 
de uma chama que não se vê
tanto mais quanto ela queima 
no ar de uma cela vazia
o homem que é posto em pé 
sobre os mortos do seu dia.  



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Transcrito da antologia  SINGULAR PLURAL,
de Moacyr Félix
- Editora Record, Rio de Janeiro, RJ, 1998.

sábado, 25 de junho de 2011

RUBENS JARDIM : "A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano"




     "A verdadeira poesia é uma viagem ao desconhecido. É caos e criação. Vida e morte. Verbo e substantivo. Espanto e descoberta. E mesmo que seja entendida como arma ou alma carregada de futuro, a a poesia é a mais imponderável das criações do espírito humano. É fogo e fumaça. Grito e silêncio. Passatempo e sacramento. Solidão e intercâmbio.  Caminho solitário que cruza com o caminho de todos. E todos nós percebemos, intuímos e sabemos que a poesia é um desafio à razão.  Talvez porque ela, poesia, seja efetivamente a única razão possível. É um paradoxo, é claro. Mas quando se trata de poesia é necessário estar aberto a um infindável número de questões complexas e absurdas. Afinal, como é que uma coisa que não serve para nada, ninguém paga aluguel com palavras e nem faz crediário com poemas, pode ser tão necessária e indispensável à vida humana ?"  (RUBENS JARDIM)


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Transcrito do site RUBENS JARDIM 
- http://www.rubensjardim.com/



segunda-feira, 23 de maio de 2011

"SÓ O POETA É QUEM A TUDO REINTEGRA" - Rainer Maria Rilke




Só o poeta é quem a tudo reintegra
Do que em cada um se desintegra.
Estranha beleza é dele autenticada,
Mesmo a tortura sua é celebrada
E as ruínas são de tal limpeza tranquila
Que a regra surge do que ele aniquila.

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Que fazes tu, poeta ? Diz - Eu canto.
Mas o mortal e mostruoso espectro
Como o suportas, como aceitas ? - Canto.
E que nome não tem, tu podes tanto
Que o possa nomear, poeta ? - Canto.
De onde te vem direito ao vero, enquanto
Usas de máscaras, roupagens ? - Canto.
E o que é violento e o que é silente encanto,
Astros e temporais, como te sabem ? - Canto.

(ÁUSTRIA)


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Da antologia POESIA DO SÉCULO  20,
organizada por Jorge de Sena
- Editorial Inova, Porto-Portugal, 1974.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

PROFANO, QUASE PROFETA - Natanael Lima Jr.





profano
insano
marginal
hominal
visceral
atemporal
cômico
crônico
acrônico
anacrônico
poeta
profeta  




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NATANAEL LIMA JR. é membro da ACL
- Academia Cabense de Letras (Cabo, PE) /
Poema transcrito do BLOG DE ANTONINO
(http://antoninojr.blogspot.com/)

sábado, 23 de abril de 2011

"NEGO-ME A MASTIGAR TEORIAS" / Pablo Neruda




     "Tenho já 53 anos e nunca soube o que é a poesia, nem como definir o que não conheço.  Tampouco pude aconselhar alguém sobre esta substância obscura e ao mesmo tempo deslumbrante."



(do livro ´PARA NASCER NASCI, memórias)

terça-feira, 19 de abril de 2011

POETA, EXEMPLAR DO SER HUMANO / Gerardo Melo Mourão




     "O Poeta, justamente o habitante estrangeiro  do planeta em que vivemos, é o único que pode ser eleito, em todos os tempos, como exemplar do ser humano,  para o episódio proposto por Ortega y Gasset ("Qual seria o representante típico e exemplar do nosso planeta ?" )  Porque, não sendo escravo de tempo algum, ele é o senhor de todos os tempos."    



                                                                                             ("Folha de S. Paulo", São Paulo, SP, 1978)

sábado, 2 de abril de 2011

O PRIMEIRO DEGRAU, de Konstantinos Kaváfis




Foi a Teócrito queixar-se um dia
Eumene, poeta ainda muito jovem :
"Faz dois anos que escrevo e até agora
compus apenas um idílio.
Esse, o meu único trabalho pronto.
Pobre de mim ! Pelo que vejo, é alta,
deveras alta, a escada da Poesia. 
Estou no primeiro degrau : jamais,
infeliz que sou,  chegarei ao topo."
"Essas palavras, respondeu Teócrito,
"são um despropósito, blasfêmias.
Se estás no primeiro degrau, cumpria
te sentires feliz e envaidecido.
Chegar onde chegaste não é pouco,
nem é pequena  glória o que fizeste.
Do primeiro degrau, da mesma escada,
está bem distante o comum das pessoas.
Para pisar esse degrau de ingresso,
necessário é que sejas, por direito,
cidadão da cidade das idéias -
um título difícil : raramente
 fazem-se ali naturalizações.
De quantos na sua ágora legislam,
aventureiro algum pode zombar.
Chegar onde chegaste não é pouco,
nem é pequena glória o que fizeste."


(Tradução de JOSÉ PAULO PAES)

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Transcrito do livro POESIA MODERNA
DA GRÉCIA - Seleção, tradução direta do grego,
prefácio,  textos críticos e notas de José Paulo Paes -
Editora Guanaraba, Rio de Janeiro, RJ, 1986.

domingo, 20 de março de 2011

PARÁBOLA & LIBERTAÇÃO / Maria de Lourdes Hortas




PARÁBOLA 


Perdoai, Senhor, mas um poeta
é também pastor apascentando
sedentos de beleza em campos largos.   


Sabe o poeta onde estão a relva e os regatos :
isto, Senhor, o faz também profeta ?


..................................



LIBERTAÇÃO


Eis a minha poesia :
ressuscitar o que me foi dado
e desdobrá-lo para novo olhar.       



(do livro RELÓGIO D'ÁGUA,
 Recife, PE, 1985)





sexta-feira, 4 de março de 2011

POESIA É :




Ver na queimada
o verde milharal.
Na pedra muda,
outras vozes dos Ventos ressoando.


Na luta infinda do viver
inda querer
os rebates do Amor.    


Na ante-Morte do sono descobrir
os dons da Vida formatando sonhos.   
Em madrugadas entrever poentes
e na escuridão o meio dia. 


Que vendo, pressentindo e descobrindo
o que ninguém talvez  perceberia
faz-se o Poema, pois a Poesia
nada mais é do que ter na semente
a flor, e até na Dor, Vida, somente.   



OLÍMPIO BONALD NETO

(Olinda, 6a.-Feira da Paixão, 2004)


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Transcrito do livro VIDA E POESIA,
de Olímpio Bonald Neto
- Edições Bagaço, Recife, 2010

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O POEMA É UMA FLOR QUE NÃO MORRE : FERREIRA GULLAR E O SEU "POEMA SUJO"




    " Sentia necessidade de dizer tudo o que eu podia dizer, pois pensava que podia morrer naquela época. Foi nesse estado de espírito de não ter para onde correr que nasceu o poema. Na verdade o poema não é político, mas um resgate do que eu havia vivido até então. É claro que tem a minha infância, tem São Luís... O poema vai resgatar toda a minha experiência de vida, na medida do possível, mas ele é na realidade reflexão sobre aquelas coisas. Não é simplesmente ai que saudade que eu tenho da aurora da minha vida...  É uma reinvenção da própria vida.  Uma coisa é você ter vivido e outra coisa é você refletir sobre o que você viveu.   

     Eu fiquei de maio a outubro escrevendo esse poema. Para você passar meio ano escrevendo um poema é preciso que você esteja tomado realmente por alguma coisa.  Isso nunca havia me acontecido antes. Não ficava um dia inteiro ligado a um poema, imagine então meses ?  Eu não fazia outra coisa.  Morava sozinho, saía para fazer compras e o poema estava na minha cabeça.  Eu tinha 45 anos.  Quando chegou um determinado momento esse estado poético, vamos dizer assim, cessou.  Eu sabia que o poema não estava concluído, mas eu não estava mais no estado que me fez escrever o poema. Então pensei : tenho que terminar.  E então já conscientemente, não mais naquele estado de transe, tentei uma, duas soluções.  Não gostei.  Foi quando me ocorreu uma lembrança - essas coisas não são explicáveis.  Um belo dia, me veio uma frase do Hegel citado por Lênin  num livro de  filosofia  que eu estava lendo em Santiago do Chile : "No ramo da árvore estão o universal e o particular."  Me lembro de ter lido isso e pensado :  como é que pode ? Quando esse raciocício me veio, já em Buenos Aires, descobri o final do poema.  Agora por quê ?  Não sei.  Tanto que o final do poema, se você observar, é bem diferente do resto do poema.  Ele não tem o mesmo tom.  Porque é o resultado de uma reflexão de outra natureza.  É uma conclusão mesmo, quase racional, do poema.  Essa idéia de que uma coisa está em outra coisa..."



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(Da entrevista concedida a João Barile e publicada na Revista BRAVO!
- Outubro, 2010 - Editora Abril, São Paulo, SP)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

ARTE POÉTICA, de Jorge Luís Borges

Mirar o rio  cheio de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que, como água, passam as faces.    

Sentir que a vigília é outro sono
Que sonha  não sonhar e que a morte
Que teme  nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sono.

Ver no dia ou no ano um símbolo
Dos dias do homem e de seus anos,
Converter o ultraje dos anos
Em música, rumor e símbolo.  

Ver na morte o sonho, no ocaso
Um ouro triste, tal é a poesia
Que é imortal e pobre.  E volta
Como voltam a aurora e o ocaso.  

Às vezes uma face, nas tardes,
Nos olha do fundo dum espelho;
Como esse espelho deve ser a arte  :
Que revele nossa face verdadeira.  

Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao divisar  a sua Ítaca
Verde e humilde. A arte é essa Ítaca       
De verde eternidade, não de prodígios.    

Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal  dum mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.       



(Tradução de Antonio de Campos /
 Olinda, Pernambuco)