domingo, 27 de novembro de 2011

BIOGRAFIA, de Antonio Carlos Secchin




O poema vai nascendo 
num passo que desafia :
numa hora eu já o levo,
outra vez ele me guia.

O poema vai nascendo,
mas seu corpo é prematuro,
letra lenta que incendeia 
com a carícia de um murro.

O poema vai nascendo 
sem mão ou mãe que o sustente,
e perverso me contradiz 
insuportavelmente.

Jorro que engole e segura 
o pedaço duro do grito,
o poema vai nascendo, 
pombo de pluma e granito.  



(do livro DIGA-SE DE PASSAGEM,
Rio de Janeiro, RJ, 1988)



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Transcrito da antologia  A POESIA FLUMINENSE 
NO SÉCULO XX, organização de Assis Brasil
- Imago Editora, Rio, RJ /
Fundação Biblioteca Nacional, Rio, RJ/
Universidade de Mogi das Cruzes, SP.

domingo, 13 de novembro de 2011

PABLO NERUDA : Deus e o Diabo mantêm uma luta dentro da poesia, mas a poesia não pode ficar derrotada






     "Os inimigos obstinados do poeta esgrimarão com muitos argumentos que já não contam. A mim me chamaram de morto de fome na minha juventude. Agora me hostilizam, fazendo crer às pessoas que sou um potentado, dono de uma fabulosa fortuna que, embora não tenha, gostaria de ter, entre outras coisas, para aborrecê-los mais.   

     Outros medem as linhas de meus versos provando que os divido em pequenos fragmentos ou os alongo demais. Não tem importância alguma. Quem institui os versos mais curtos ou mais longos, mais delicados ou mais largos, mais amarelos ou mais vermelhos ? O poeta que os escreve é quem o determina. Determina-o com a respiração e com o sangue, com sua sabedoria e com sua ignorância porque tudo isto entra no pão da poesia.

     O poeta que não seja realista está morto.  Mas o poeta que seja somente realista está morto também.  O poeta que seja somente irracional será entendido só  por si mesmo e por sua amada - e isto é bastante triste.  O poeta que seja só racionalista será entendido  até pelos asnos - e isto é também sumamente triste. Para tais equações não existem cifras no quadro-negro, não há ingredientes decretados por Deus nem pelo Diabo, mas sim que estes dois personagens importantíssimos mantêm uma luta dentro da poesia e nesta batalha vence ora um e ora outro,  mas a poesia não pode ficar derrotada."


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Transcrito do livro de memórias CONFESSO QUE VIVI, 
de Pablo Neruda /  Tradução de Olga Savary
- DIFEL Difusão Editorial S.A.,
São Paulo, SP / Rio de Janeiro, RJ, 1979