sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

YEVTUSHENKO : "AUTOBIOGRAFIA PRECOCE"






AUTOBIOGRAFIA PRECOCE, 
de Yevtushenko 
(capa) 
- Editora Brasiliense, São Paulo, 
2a. edição, 1987 


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       Para os leitores ocidentais, a afirmação poderá parecer pretensiosa, mas é necessário compreender que o poeta, na Rússia, desempenha um papel diferente dos poetas de outros países.  Na língua russa, a palavra poeta é quase sinônimo de combatente. 

          Em nenhuma outra nação do mundo a poesia tem uma tradição tão ligada à política.  Não é por acaso que os russos consideraram sempre seus poetas como guias espirituais, como os "depositários da verdade". 

     Até mesmo esse sutil poeta lírico, Puchkin, escreveu apelos inflamados que constituíram verdadeiras regras revolucionárias para a juventude progressista do seu tempo.  Ainda que aquelas ideias não sejam mais novidades, aqueles apelos não envelheceram e contém muitas verdades para nossa geração.   

          Alexandre Block, esse mago da poesia intimista, esqueceu-se muitas vezes do eterno mistério da natureza que o apaixonava - a mulher - para levantar sua poderosa voz de poeta em defesa do seu povo.   

          E o grande Maiakovski, que encarnou todas essas tradições na sua gigantesca personalidade de poeta revolucionário, afirmava valer sua pena mais do que uma baioneta.   

          Na Rússia, todos os tiranos  tiveram nos poetas seus piores inimigos. Temeram Puchkin. Tremeram diante de Lermontov. Tiveram medo de Nekrasov.  

          Precisamente, Nekrasov, foi quem lançou num de seus poemas esta célebre fórmula : 


Ser poeta não é obrigação
Ser cidadão é teu dever.


          Eu me sentia encarnando os dois: poeta e cidadão.  Eis porque ansiava deixar o refúgio da poesia lírica, na qual me havia encerrado desde a morte de Stalin.  Não me sentia com o direito de cultivar o jardim japonês da poesia intimista.  Parecia-me imoral decantar a natureza, as mulheres e as dúvidas interiores, quando as pessoas à minha volta estavam esmagadas.

          O exemplo dos grandes poetas russos me provava que essa decisão não implicava nenhum sacrifício artístico.

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Texto transcrito das páginas (84 e 85) 
do livro AUTOBIOGRAFIA PRECOCE, 
de Yevtushenko, editado no Brasil, em 1987,
com tradução de Caio Fernando Abreu.   

          

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