sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

ARTE POÉTICA, de Jorge Luís Borges

Mirar o rio  cheio de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que, como água, passam as faces.    

Sentir que a vigília é outro sono
Que sonha  não sonhar e que a morte
Que teme  nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sono.

Ver no dia ou no ano um símbolo
Dos dias do homem e de seus anos,
Converter o ultraje dos anos
Em música, rumor e símbolo.  

Ver na morte o sonho, no ocaso
Um ouro triste, tal é a poesia
Que é imortal e pobre.  E volta
Como voltam a aurora e o ocaso.  

Às vezes uma face, nas tardes,
Nos olha do fundo dum espelho;
Como esse espelho deve ser a arte  :
Que revele nossa face verdadeira.  

Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao divisar  a sua Ítaca
Verde e humilde. A arte é essa Ítaca       
De verde eternidade, não de prodígios.    

Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal  dum mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.       



(Tradução de Antonio de Campos /
 Olinda, Pernambuco)

sábado, 20 de novembro de 2010

PROCLAMO TODOS OS POETAS OS MEUS MESTRES - Pablo Neruda

     "O mundo das artes é uma grande oficina em que todos trabalham e se ajudam. E, em primeiro lugar, estamos ajudados pelo trabalho dos que nos precederam, e já se sabe que não há Rubén Darío sem Góngora, nem Apollinaire sem Rimbaud,  nem Baudelaire sem Lamartine, nem Pablo Neruda sem todos eles juntos. E é por orgulho, não por modéstia, que proclamo todos os poetas os meus mestres, pois que seria de mim sem minhas longas leituras de quanto se escreveu em minha pátria e em todos os universos da poesia ?" 


(do livro PARA NASCER NASCI,
  de Pablo Neruda
- Editora Record, Rio, 1977)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

HERMÉTICAS SÃO AS PESSOAS, NÃO OS POEMAS, de Carlos Nejar

     "Aprendi que as palavras têm cheiro, gosto, cor. Há todo um mundo escondido nelas. É preciso chegar a esse mundo silencioso.  
     Quando é poesia, não existe hermetismo, a não ser aquela névoa que cobre, levemente, a terra. Herméticas são as pessoas, não os poemas. Sobretudo, as que chamam "herméticos" os poemas, tentando afastar o possível leitor.
     Devemos nos aproximar mais do poema, lendo-o, aceitando-o, ser vivo, inteiro, com mãos, braços. Às vezes um pouco magro, outras, gordo, alto ou baixo. A vida salta adiante. Contrapõe-se, desafia. Muitas vezes não se pode caçá-la, borboleta.
     Um poema lido em voz alta - e há uma tradição fonética na poesia do Rio Grande - pode tomar compreensão que parece não ter no seu silêncio sobre a página.
     Embora o poema também se alimente de silêncio.  Como as ervas se nutrem, densamente, de orvalho."

 CARLOS NEJAR 

(do livro A CHAMA É UM FOGO ÚMIDO,
~Coleção Afrânio Peixoto/
Academia Brasileira de Letras, Rio, 1994)
    

sábado, 6 de novembro de 2010

"Poesia é o reino de uma razão que está além da razão" / Lêdo Ivo

     "Na história da poesia, as invenções que surgem  ao dia claro nem sempre ostentam ou apregoam as suas longas gestações, apresentando-se habitualmente como frutos surpreendentes  dos instantes e temperamentos. Tais descobertas quase sempre restauram  e retomam técnicas abandonadas e antigas proscrições, sustentando o movimento pendular da poesia, sempre oscilante entre o rigor e o excesso. Mas no largo território onde as epigonias surgem desenvoltas como cogumelos ou estações repetidoras, as famílias espirituais estão longe de exibir suas cartas nítidas de procedência.  Corre-lhes nas veias um sangue misturado e confundido, e sempre será difícil para a crítica mais atilada ou ambiciosa discernir entre o construtivismo mais acirrado e o mais escancarado movimento de libertação do poeta que, sacudindo o jugo das injunções escolares ou geracionais, abre ou, de repente, encontra abertas as portas do seu cativeiro, e avança soberanamente com a sua exaltação pessoal.  

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(...) o reino da poesia é o reino de  uma razão que está além da razão : no domínio privilegiado da imaginação acesa e iluminadora."   


                                                                              LÊDO IVO 
                                                                     (Apresentação de "Fogo Úmido", 
                                                                      de Carlos Nejar -  ABL, Rio de Janeiro, 1994)


       

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A PALAVRA MAIS HUMANA

O poema se inscreve em mim
como os filhos que se criam em cada criatura.
Materializo essa matéria aérea 
concretizo palavra por palavra 
o desenho mágico do seu alfabeto incomum
a construção erguida do Nada 
e que hoje não é Coisa Inexistência Morte 
- hoje é a palava mais humana da Existência da Vida



Recife, Santo Amaro,
21/outubro/2010.

domingo, 17 de outubro de 2010

O MELHOR CONSELHO QUE SE PODE DAR A UM JOVEM POETA - T. S. Eliot

     "É tremendamente perigoso dar conselho geral. Acho que o melhor conselho que se pode dar a um jovem poeta é criticar um detalhe de determinado poema. Argumentar com ele, se necessário; dar-lhe nossa opinião, se houver quaisquer generalizações a serem feitas, e deixar que ele próprio o faça.  Tenho verificado que pessoas diversas têm maneiras diferentes de trabalhar e que as coisas lhes chegam de modo diferente.  Nunca se tem a certeza de estar-se proferindo uma enunciação que seja geralmente válida para todos os poetas, ou quando se trata de algo que só se aplica à gente. Penso que nada é pior que a gente procurar formar alguém à nossa própria imagem."   



(Entrevista de T.S. Eliot a "Paris Review",
 incluída no livro ESCRITORES EM AÇÃO,
Paz e Terra, São Paulo, SP, 1968)  

domingo, 10 de outubro de 2010

O POEMA, de Geraldino Brasil

O poema não deve ser um conjunto de palavras como esta 
dando uma definição dicionária 
Nem oferecendo uma indefinição.


Deve ser melhor
do que bom apenas 
e não se acabar como o sorvete
que se tomou sem a namorada.


As palavras procuradas pelo seu poeta
não serão daquelas que o leitor
tenha de consultar o dicionário
ou, pelas outras do poema,
o deixam desinteressado do trabalho.  


O poema deve menos falar e mais dizer.
Pode ter de gritar
a quem tem ouvidos moucos.
Pode falar a quem sabe
ouvir silêncios de uma pessoa que conversa. 



(do livro A INTOCÁVEL BELEZA DO FOGO)