domingo, 20 de março de 2011

PARÁBOLA & LIBERTAÇÃO / Maria de Lourdes Hortas




PARÁBOLA 


Perdoai, Senhor, mas um poeta
é também pastor apascentando
sedentos de beleza em campos largos.   


Sabe o poeta onde estão a relva e os regatos :
isto, Senhor, o faz também profeta ?


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LIBERTAÇÃO


Eis a minha poesia :
ressuscitar o que me foi dado
e desdobrá-lo para novo olhar.       



(do livro RELÓGIO D'ÁGUA,
 Recife, PE, 1985)





sexta-feira, 4 de março de 2011

POESIA É :




Ver na queimada
o verde milharal.
Na pedra muda,
outras vozes dos Ventos ressoando.


Na luta infinda do viver
inda querer
os rebates do Amor.    


Na ante-Morte do sono descobrir
os dons da Vida formatando sonhos.   
Em madrugadas entrever poentes
e na escuridão o meio dia. 


Que vendo, pressentindo e descobrindo
o que ninguém talvez  perceberia
faz-se o Poema, pois a Poesia
nada mais é do que ter na semente
a flor, e até na Dor, Vida, somente.   



OLÍMPIO BONALD NETO

(Olinda, 6a.-Feira da Paixão, 2004)


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Transcrito do livro VIDA E POESIA,
de Olímpio Bonald Neto
- Edições Bagaço, Recife, 2010

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O POEMA É UMA FLOR QUE NÃO MORRE : FERREIRA GULLAR E O SEU "POEMA SUJO"




    " Sentia necessidade de dizer tudo o que eu podia dizer, pois pensava que podia morrer naquela época. Foi nesse estado de espírito de não ter para onde correr que nasceu o poema. Na verdade o poema não é político, mas um resgate do que eu havia vivido até então. É claro que tem a minha infância, tem São Luís... O poema vai resgatar toda a minha experiência de vida, na medida do possível, mas ele é na realidade reflexão sobre aquelas coisas. Não é simplesmente ai que saudade que eu tenho da aurora da minha vida...  É uma reinvenção da própria vida.  Uma coisa é você ter vivido e outra coisa é você refletir sobre o que você viveu.   

     Eu fiquei de maio a outubro escrevendo esse poema. Para você passar meio ano escrevendo um poema é preciso que você esteja tomado realmente por alguma coisa.  Isso nunca havia me acontecido antes. Não ficava um dia inteiro ligado a um poema, imagine então meses ?  Eu não fazia outra coisa.  Morava sozinho, saía para fazer compras e o poema estava na minha cabeça.  Eu tinha 45 anos.  Quando chegou um determinado momento esse estado poético, vamos dizer assim, cessou.  Eu sabia que o poema não estava concluído, mas eu não estava mais no estado que me fez escrever o poema. Então pensei : tenho que terminar.  E então já conscientemente, não mais naquele estado de transe, tentei uma, duas soluções.  Não gostei.  Foi quando me ocorreu uma lembrança - essas coisas não são explicáveis.  Um belo dia, me veio uma frase do Hegel citado por Lênin  num livro de  filosofia  que eu estava lendo em Santiago do Chile : "No ramo da árvore estão o universal e o particular."  Me lembro de ter lido isso e pensado :  como é que pode ? Quando esse raciocício me veio, já em Buenos Aires, descobri o final do poema.  Agora por quê ?  Não sei.  Tanto que o final do poema, se você observar, é bem diferente do resto do poema.  Ele não tem o mesmo tom.  Porque é o resultado de uma reflexão de outra natureza.  É uma conclusão mesmo, quase racional, do poema.  Essa idéia de que uma coisa está em outra coisa..."



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(Da entrevista concedida a João Barile e publicada na Revista BRAVO!
- Outubro, 2010 - Editora Abril, São Paulo, SP)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

ARTE POÉTICA, de Jorge Luís Borges

Mirar o rio  cheio de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que, como água, passam as faces.    

Sentir que a vigília é outro sono
Que sonha  não sonhar e que a morte
Que teme  nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sono.

Ver no dia ou no ano um símbolo
Dos dias do homem e de seus anos,
Converter o ultraje dos anos
Em música, rumor e símbolo.  

Ver na morte o sonho, no ocaso
Um ouro triste, tal é a poesia
Que é imortal e pobre.  E volta
Como voltam a aurora e o ocaso.  

Às vezes uma face, nas tardes,
Nos olha do fundo dum espelho;
Como esse espelho deve ser a arte  :
Que revele nossa face verdadeira.  

Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao divisar  a sua Ítaca
Verde e humilde. A arte é essa Ítaca       
De verde eternidade, não de prodígios.    

Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal  dum mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.       



(Tradução de Antonio de Campos /
 Olinda, Pernambuco)

sábado, 20 de novembro de 2010

PROCLAMO TODOS OS POETAS OS MEUS MESTRES - Pablo Neruda

     "O mundo das artes é uma grande oficina em que todos trabalham e se ajudam. E, em primeiro lugar, estamos ajudados pelo trabalho dos que nos precederam, e já se sabe que não há Rubén Darío sem Góngora, nem Apollinaire sem Rimbaud,  nem Baudelaire sem Lamartine, nem Pablo Neruda sem todos eles juntos. E é por orgulho, não por modéstia, que proclamo todos os poetas os meus mestres, pois que seria de mim sem minhas longas leituras de quanto se escreveu em minha pátria e em todos os universos da poesia ?" 


(do livro PARA NASCER NASCI,
  de Pablo Neruda
- Editora Record, Rio, 1977)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

HERMÉTICAS SÃO AS PESSOAS, NÃO OS POEMAS, de Carlos Nejar

     "Aprendi que as palavras têm cheiro, gosto, cor. Há todo um mundo escondido nelas. É preciso chegar a esse mundo silencioso.  
     Quando é poesia, não existe hermetismo, a não ser aquela névoa que cobre, levemente, a terra. Herméticas são as pessoas, não os poemas. Sobretudo, as que chamam "herméticos" os poemas, tentando afastar o possível leitor.
     Devemos nos aproximar mais do poema, lendo-o, aceitando-o, ser vivo, inteiro, com mãos, braços. Às vezes um pouco magro, outras, gordo, alto ou baixo. A vida salta adiante. Contrapõe-se, desafia. Muitas vezes não se pode caçá-la, borboleta.
     Um poema lido em voz alta - e há uma tradição fonética na poesia do Rio Grande - pode tomar compreensão que parece não ter no seu silêncio sobre a página.
     Embora o poema também se alimente de silêncio.  Como as ervas se nutrem, densamente, de orvalho."

 CARLOS NEJAR 

(do livro A CHAMA É UM FOGO ÚMIDO,
~Coleção Afrânio Peixoto/
Academia Brasileira de Letras, Rio, 1994)
    

sábado, 6 de novembro de 2010

"Poesia é o reino de uma razão que está além da razão" / Lêdo Ivo

     "Na história da poesia, as invenções que surgem  ao dia claro nem sempre ostentam ou apregoam as suas longas gestações, apresentando-se habitualmente como frutos surpreendentes  dos instantes e temperamentos. Tais descobertas quase sempre restauram  e retomam técnicas abandonadas e antigas proscrições, sustentando o movimento pendular da poesia, sempre oscilante entre o rigor e o excesso. Mas no largo território onde as epigonias surgem desenvoltas como cogumelos ou estações repetidoras, as famílias espirituais estão longe de exibir suas cartas nítidas de procedência.  Corre-lhes nas veias um sangue misturado e confundido, e sempre será difícil para a crítica mais atilada ou ambiciosa discernir entre o construtivismo mais acirrado e o mais escancarado movimento de libertação do poeta que, sacudindo o jugo das injunções escolares ou geracionais, abre ou, de repente, encontra abertas as portas do seu cativeiro, e avança soberanamente com a sua exaltação pessoal.  

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(...) o reino da poesia é o reino de  uma razão que está além da razão : no domínio privilegiado da imaginação acesa e iluminadora."   


                                                                              LÊDO IVO 
                                                                     (Apresentação de "Fogo Úmido", 
                                                                      de Carlos Nejar -  ABL, Rio de Janeiro, 1994)