" Sentia necessidade de dizer tudo o que eu podia dizer, pois pensava que podia morrer naquela época. Foi nesse estado de espírito de não ter para onde correr que nasceu o poema. Na verdade o poema não é político, mas um resgate do que eu havia vivido até então. É claro que tem a minha infância, tem São Luís... O poema vai resgatar toda a minha experiência de vida, na medida do possível, mas ele é na realidade reflexão sobre aquelas coisas. Não é simplesmente ai que saudade que eu tenho da aurora da minha vida... É uma reinvenção da própria vida. Uma coisa é você ter vivido e outra coisa é você refletir sobre o que você viveu.
Eu fiquei de maio a outubro escrevendo esse poema. Para você passar meio ano escrevendo um poema é preciso que você esteja tomado realmente por alguma coisa. Isso nunca havia me acontecido antes. Não ficava um dia inteiro ligado a um poema, imagine então meses ? Eu não fazia outra coisa. Morava sozinho, saía para fazer compras e o poema estava na minha cabeça. Eu tinha 45 anos. Quando chegou um determinado momento esse estado poético, vamos dizer assim, cessou. Eu sabia que o poema não estava concluído, mas eu não estava mais no estado que me fez escrever o poema. Então pensei : tenho que terminar. E então já conscientemente, não mais naquele estado de transe, tentei uma, duas soluções. Não gostei. Foi quando me ocorreu uma lembrança - essas coisas não são explicáveis. Um belo dia, me veio uma frase do Hegel citado por Lênin num livro de filosofia que eu estava lendo em Santiago do Chile : "No ramo da árvore estão o universal e o particular." Me lembro de ter lido isso e pensado : como é que pode ? Quando esse raciocício me veio, já em Buenos Aires, descobri o final do poema. Agora por quê ? Não sei. Tanto que o final do poema, se você observar, é bem diferente do resto do poema. Ele não tem o mesmo tom. Porque é o resultado de uma reflexão de outra natureza. É uma conclusão mesmo, quase racional, do poema. Essa idéia de que uma coisa está em outra coisa..."
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(Da entrevista concedida a João Barile e publicada na Revista BRAVO!
- Outubro, 2010 - Editora Abril, São Paulo, SP)
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